Mirian Aguiar (texto próprio, mas com incursões de outros textos de outras autorias, ou seja, uma suruba autoral)

Se soubéssemos quais as razões que levaram ao desaparecimento do feminino na história da humanidade entenderíamos qual a relação do Yoga com a energia sexual.

Nossa história sempre tem sido contada pelos homens. As descobertas de civilizações matrilineares nunca tiveram destaque entre os pesquisadores masculinos. E o surgimento de imagens femininas sempre eram tratadas como mulheres comuns (bailarina, amante, etc). Nem passava pelas suas mentes que estas estatuetas, milhares delas, encontradas em muitas descobertas arqueológicas, escondiam um tipo de organização centrada na mulher. Senão fossem algumas pesquisadoras mulheres corajosas e alguns homens de olhar mais atento e “feminino”, estaríamos ainda acreditando numa história única, a história de um patriarcado que dura há mais de 5 mil anos.

E dentro deste tempo muitas outras histórias foram contadas e continuam sendo validadas porque ainda há um grande interesse em manter esta versão dos fatos, afinal mudar requer uma reflexão profunda dos nossos sistemas de crenças. E por não fazermos isso, temos sido, não apenas as mulheres, mas toda a humanidade, refém de visões distorcidas da realidade.

Como é dito na principal escritura ocidentalizada, os Sutras de Patanjali, que Yoga é a cessação de tudo aquilo de perturba a mente. E elenca 5 aspectos: sonho, memória, conhecimento incorreto, fantasia e conhecimento correto.

Quando crio um sistema e informo que através de escrituras que somente eu e meus pares masculinos têm acesso e que é autoridade válida para aquela determinado conhecimento/linhagem, eu assumo uma postura anti Yoga, já que crio um sistema de crença. E assim somos desde sempre manipuladas por esta visão fechada e abusiva destes ensinamentos, que deveriam ser abertos e partilhados para que todos pudessem acessá-los.

Mas o que vemos na prática é um excesso de dogmas, crenças, padrões, receitas de felicidade. Aquele ou aquela que precisa de certezas, de fórmulas, de práticas que desafiem a pessoa a avançar, são presas fáceis. Série A, B, C até Z. Aí você se torna reconhecido em determinada linhagem. E o Yoga Moderno se tornou um grande mercado de consumo, girando bilhões pelo mundo todo, criando divisões e seitas suspeitas.

Em nome do Yoga muita coisa suja e desonesta vai sendo enfiada embaixo do tapetinho. E ao sentarmos em postura de lótus, num ar de superioridade de quem está adentrando um mundo que poucos são “chamados”, não percebemos a armadilha dos nossos egos.

Temos muitas visões romantizadas a respeito do Yoga, mas também muitos abusos aconteceram e acontecem em nome do Yoga. Porque seria diferente? Só porque 99% dos mestres são homens, em um país que a mulher é menos que um animal? Em que os homens andam abraçados em público e as mulheres não podem nem sair na rua sozinhas? Em que apenas homens de casta superior detêm o acesso ao conhecimento último, às cerimônias ritualísticas em escrituras milenares das quais as mulheres jamais teriam acesso?

Como chegamos até os dias de hoje, praticantes, mas principalmente professores de Yoga que continuam ensinando um Yoga que parece mais um sistema de separação do que união? Eu mesma assimilei uma parte deste conhecimento totalmente alheia às verdadeiras raízes de onde ele nasceu. Mas sempre algo me incomodava: o excesso de rigidez, uma disciplina autoritária, uma impossibilidade de expressão porque não se questiona o que vem do mestre, ou de um conhecimento milenar, passado de mestre para discípulo.

Não há nada de errado com o Yoga, a interpretação é livre, a prática é livre. A prisão está na nossa mente, a máxima do Tantra, que informa que a ilusão é um constructo mental. A realidade é real mesmo. Estamos experimentando através do nosso corpo.

Mas que corpo é esse que vivencia o Yoga? Pelo que já relatei, não é um corpo feminino, pois já sabemos que a prática “milenar” do Hatha Yoga é para um corpo masculino. Nesta festinha as mulheres não foram convidadas, segundo a autora do YonI Shakti. E porque somos as que mais praticam?

Porque é um momento que podemos ficar conosco mesmas, sem as demandas da vida, que são muitas, porque o feminino sempre foi exigido, a mulher é a geradora, a mãe, é a shakti, a doadora da vida, a que mantem também.

As pesquisas a respeito destas sociedades focadas no feminino apontam para uma outra história. Que o Yoga é a essência do feminino e por isso que os homens querem deter este conhecimento, da mesma forma os mistérios do corpo da mulher, seus ciclos, seu sangue, seus fluídos são dominados pela ciência, através de pílulas, cirurgias estéticas, cosméticos, etc.

E o que dizer da sexualidade feminina? Até que ponto ela realmente é considerada até pelas próprias mulheres? Qual é o nosso prazer?

O Yoga como uma via de autoconhecimento deveria nos incomodar e nos transformar. Mas não vemos isto acontecer. Vemos os abusos, os assédios, o desrespeito por homens que ensinam. Não são todos, mas são muitos.

E mesmo no Tantra que é considerado o culto ao feminino, temos visto que nem todas as linhagens são realmente abertas a mulher. Se nos consideram as iniciadoras, o porquê são os homens que detém este conhecimento?

As adeptos do Tantra afirmam que o Divino está em toda parte, também deve estar presente no corpo e como corpo. Esse insight crucial, de fato, levou à criação do Tantra, que favorece uma abordagem inclusiva e integral, abraçando a incorporação como uma manifestação do Divino.

As tradições mais ascéticas – verticalistas – da Índia costumam considerar o corpo uma inconveniência, até mesmo um obstáculo, para a felicidade da liberdade. O corpo e as funções corporais enchem ascetas de qualquer proveniência com repulsa e horror. A noção de que o corpo é um saco de sujeira é tão comum para os ascetas da Índia quanto para os gnósticos do Mediterrâneo.

Os mestres tântricos assumiram uma atitude totalmente diferente, que é captada nas palavras de Tirumūlar, um dos representantes mais famosos do Tantra:

Aqueles que deixam o corpo se decompor, destroem o espírito; e eles não atingirão o conhecimento poderoso da verdade. Tendo aprendido a habilidade de nutrir o corpo, estimulei o corpo e nutri a alma. Anteriormente, eu achava que o corpo estava sujo. Eu vi que havia Realidade Suprema dentro do corpo. O Perfeito entrou no templo do corpo. Eu protegi e preservei meu corpo.

Foi essa orientação positiva para o corpo entre os tāntrikas que também os levou a adotar uma nova atitude em relação à sexualidade, às emoções e ao gênero feminino. Em vez de ver neles um perigo ou deficiência, os iniciados do Tantra os acolheram como uma oportunidade de alcançar a liberação mais rapidamente. Mais do que isso, parece cada vez mais provável que os principais iniciadores do mundo esotérico do Tantra não fossem originalmente homens, mas mulheres. Isso nos ajuda a entender por que os tāntrikas deveriam ter tido as mulheres em alta estima desde então.